Lançado em 1959 o disco “Caymmi e seu violão”, de Dorival Caymmi, é o que o nome promete. Somente a voz e o violão do cantor com uma série de canções calmas e alegres, que como em grande parte de sua obra, falam sobre o mar. Mas há neste disco quatro faixas que chamam a atenção pelo fato de tratarem de um tema tão trágico, porém de forma bela e poética. No caso, a morte de pescadores que vão para o mar e não voltam.
1 - A jangada voltou só
Após o disco abrir com a alegre "Pescaria" vem "A jangada voltou só", que conta a história de Chico Ferreira e Bento, dois parceiros de pesca que saem em uma jangada mas, como diz o título, a jangada volta vazia. Caymmi aborda sobre a reação das pessoas ao saber da morte dos dois:
Chico era o boi do rancho nas festas de Natá
Não se ensaiava o rancho sem com Chico se contar
E agora que não tem Chico, que graça é que pode ter?
(...)
Bento cantando modas, muita figura fez
Bento tinha bom peito e para cantar não tinha vez
As moças de Jaguaribe choraram de fazer dó
Em uma melodia bastante melancólica ele canta a tragédia levando a reflexão para a falta que os dois farão entre os conhecidos. Falar sobre a morte muitas vezes é focado na morte em si, narrando o que ocorreu, mas quando se traz o pensamento à falta que fará aquele que se foi para os que ficaram, a emoção se torna mais pessoal. Todo mundo que já perdeu alguém sabe como são os momentos em que essa pessoa faz falta. E é para esse ângulo de visão que a música leva.
2 - É doce morrer no mar
A tragédia volta a ser tema do disco em "É doce morrer no mar", escrita em parceria com Jorge Amado. A faixa parece ser uma continuação de "A jangada voltou só", em questão de melodia. A letra é em primeira pessoa, citando a morte de um ente querido que morreu no mar.
Esta faixa é conhecida de muitos em outras vozes. Vale a pena ouvir a nova roupagem que foi dada na versão cantada por Marisa Monte e Cesária Évora.
Outra, cantada cheia de emoção, é na voz de Clara Nunes, lançada em 1973.
3 - O mar
Seguindo, algumas faixas a frente, "O mar" é a mais interessante do disco por ser tanto a mais bonita como a mais trágica. A música começa exaltando o mar com versos que já refletem também sobre o perigo que ele oferece aos pescadores: "O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito o mar / Pescador quando sai nunca sabe se volta nem sabe se fica / Quanta gente perdeu seus maridos, seus filhos, nas ondas do mar".
Logo após esse início, cantando bem devagar em meio a um dedilhado, entra uma batida rápida, animada e até dançante... contando a triste história de Pedro, um pescador que não voltou do mar, e Rosinha, que enlouqueceu ao perder seu amado.
Em uma poesia muito bem trabalhada, Caymmi conta que Pedro saía todas as noites para pescar e voltava pela manhã. Rosinha de Chica, que era a mais bonita das moças do local, era também a que mais gostava do pescador. Certo dia ele sai em seu barco e não volta quando o sol nasce. Então os versos dizem:
Deram com o corpo de Pedro
Jogado na praia
Roído de peixe
Sem barco sem nada
Num canto bem longe
Lá do arraiá
Não fosse o suficiente a narração da morte do coitado de Pedro, roído de peixe num canto da praia, a tragédia permanece na vida daquela que o amava, Rosinha:
Pobre Rosinha de Chica
Que era bonita
Agora parece
Que endoideceu
Vive na beira da praia
Olhando pras ondas
Andando rondando
Dizendo baixinho:
"Morreu, morreu, morreu, oh..."
Parece apenas uma história triste, mas a beleza toda da coisa está em como a música narra isso de uma forma que traz, de fato a tristeza, mas com toda uma leveza envolvida, coisa que só escutando você vai entender.
4 - Noite de temporal
Para finalizar, a última faixa de "Caymmi e seu violão", que é "Noite de temporal". Aqui o foco é uma mãe que espera seu filho voltar da pesca em uma noite de chuva. Essa tem o clima um tanto tenso, com certo tom de mistério, permitindo que o ouvinte imagine a apreensão e ansiedade de uma mãe esperando o filho em uma situação dessas: "Pescador se vai para a pesca na noite de temporar / A mãe se senta na areia esperando ele vortar" - E termina misteriosa da mesma forma, com um fade out da batida tensa da música com Caymmi cantando: "É noite... é noite... é noite..."
“Caymmi e seu violão” é um disco que merece ser ouvido! Não só pela beleza destas poesias trágicas, mas como um todo, é um ótimo trabalho.